Por Datise Biasi
“Teoria é quando se sabe tudo e nada funciona. Prática é quando funciona e ninguém sabe o porquê.” Não encontrei a autoria desta frase, mas ela diz muito sobre o ponto cego das teorias e pesquisas usadas dentro das empresas e que, embora altamente relevantes por muni-las com ciência e dados, ainda não são suficientes para a realização prática das mudanças necessárias no mundo do trabalho.
Como tudo o que é fractal, esta realidade é também um reflexo do nosso microcosmos particular: sabemos que precisamos cuidar melhor de nossa saúde, mas como é difícil começar um novo esporte; sabemos dos prejuízos de algum vício ou mau hábito, mas juntamos mais desculpas do que vontade para ajustá-lo. O mesmo ocorre no mundo corporativo: nem toda tecnologia para extração e leitura de dados ou todo o acesso a bases teóricas de primeira linha têm contribuído para que os líderes promovam as transformações que as organizações precisam. E é esse embate entre teoria e prática que trago como reflexão, além de perguntas que podem ajudar a sair desta inércia tão conhecida nas rotinas atribuladas que carregamos.
O despertar para o tema veio por meio de um artigo do The New York Times, republicado no Estado de São Paulo. Nele, a pergunta: se gastamos centenas de milhões de dólares avaliando a satisfação e o engajamento dos funcionários todos os anos, às vezes até com verificações mensais ou semanais, o que estamos fazendo de fato com estes dados vez que o estresse e desejo de mudança de emprego em todo o mundo seguem num nível recorde? Onde está a falha: nas ferramentas usadas? Nos funcionários, que mentem? Nos chefes, que não dão ouvidos?
Dentre as conclusões levantadas, temos o quanto os funcionários ainda temem enfrentar retaliações por respostas negativas (segundo a Gartner, apenas 21% se sentem confortáveis em ser totalmente sinceros nestas pesquisas), além das empresas não tomarem atitudes com os feedbacks recebidos (ou pior, manipular os resultados para parecerem mais positivos do que são). “As pesquisas quase sempre são pouco mais do que uma fachada para empresas que afirmam se preocupar com a felicidade dos trabalhadores, porém não oferecem coisas básicas, como salários decentes e autonomia no trabalho”, disse uma das fontes.
E aqui fica a primeira provocação: se queremos migrar nossas empresas para modelos mais conscientes – ou como diria Laloux, inspiradas no próximo estágio da consciência humana – qual é a real motivação que está por trás da extração e análise de dados internos? Qual é o propósito norteador e a ética envolvidos nesta ação? Quanto de tempo, dinheiro e expectativas estamos investindo em buscar respostas para problemas que não queremos ou estamos dispostos a resolver? (olha a academia que a gente paga e não frequenta aí, gente!)
Brincadeiras à parte, esta disposição para uma análise franca do que está disposto em frente aos olhos é a auto responsabilização que falta às organizações hoje e que rolam gerando efeito cascata de desmotivação hierarquia afora.
Nem sempre temos o poder de agir sobre estas respostas, mas certamente podemos provocá-las, independentemente de nosso nível hierárquico. E, caso você esteja em uma posição de liderança, pode começar (se) perguntando: estamos mesmo escutando o que as pessoas têm para dizer? E se escutamos, estamos conseguindo fazer algo com isso? Essa escuta passa pela realização de conversas estruturadas, mas vai além. O artigo menciona uma pesquisa sobre principais motivos de insatisfação no trabalho. No topo delas está o fato das pessoas terem um gestor ruim, traduzido não por uma incompetência técnica, mas por não serem acessíveis e honestos em relação a temas como salários, benefícios e promoções, ou que se preocupavam de verdade com o desenvolvimento de carreira de seus funcionários.
Ou seja, nessa escuta e nesse agir do próximo estágio das organizações, é preciso ser humano de verdade, preocupado de verdade e fazer algo de verdade com o que se escuta. É sustentar conversas difíceis com sinceras respostas. É começar a quebrar o ciclo vicioso do “fala que eu não te escuto”, com vontade real de ouvir e a busca sincera por soluções, ou ao menos tentativas. Mas para isso, temos que ser capazes de pegar nossas próprias questões nas mãos e fazer algo de verdade com elas, escutando a nós mesmos com disposição. E aí, será que estamos fazendo conosco primeiro o que deveríamos estar fazendo com os outros?
Antes de acabar, todavia, deixo brevemente outra provocação feita por um artigo da Forbes, que igualmente questiona: se há mais de um século temos conhecimento o bastante para criarmos locais de trabalho atraentes, por que a implementação real dessas ideias ainda é tão limitada?
Uma pista: quando o objetivo das empresas passou a ser maximizar o valor para o acionista, ele teve de ser imposto por meio da burocracia hierárquica, apesar do impacto negativo nas equipes e na segurança psicológica. Claro que mudar esta lógica nem sempre está nas nossas mãos, mas já temos alguns caminhos: a revisão do propósito organizacional, estruturas mais autônomas e a ressignificação do papel da liderança como peças-chaves rumo a um futuro do trabalho que se mostra a cada dia mais humano. Faz sentido para você?
Espero que este artigo tenha ajudado a ir além da dicotomia entre teoria e prática dentro das empresas, lembrando que somos todos humanos evoluindo em nossos diversos estágios de consciência e ajudando outros seres nesta missão. Que as nossas motivações mais intrínsecas possam nos guiar nessa busca por mudanças reais de trabalho, revelando a causa deste ponto cego científico dentro das organizações: o ponto cego do nosso olhar para nós mesmos e para nossa própria evolução. Boas reflexões e boas mudanças – a começar pelas suas próprias.
Até breve!
Fontes:
Por que é tão difícil avaliar a satisfação no trabalho? – 25/02/23 – Estado de São Paulo
Evidence-Based Management: The Case Of HR – 24/02/23 – Forbes.com
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