Por Gabriela Reis
Quando uma organização mantém estruturas controladoras, competitivas, pouco transparentes e com alta pressão por resultados e excelência, é comum que o medo se instale no trabalho.
Em uma cultura de medo, as pessoas não conseguem se expressar livremente, demonstrar vulnerabilidades ou pedir ajuda. Fica difícil colaborar porque ninguém confia em ninguém e isso faz com que retenham as informações. É comum também que assumam uma postura defensiva e evitem tomar riscos ou sugerir novas ideias, prejudicando diretamente a capacidade de inovação do grupo.
A cultura do medo anda junto com a cultura do silêncio.
Dizem que “ninguém é demitido por ficar calado.” Essa expressão representa só uma das diversas violências que se espalham com naturalidade no ambiente de trabalho. Por ser uma estrutura com fortes dinâmicas de poder, usar a sua voz pode soar como uma confrontação. É por isso que, na maioria das vezes, ao invés de se expressarem, as pessoas preferem se calar e garantir o salário para pagar os boletos no fim do mês.
Estamos o tempo todo gerenciando impressões
O cálculo que fazemos sobre o perigo de tomar certos riscos interpessoais pode ser chamado de gerenciamento de impressões. Segundo Mendonça (2004), o processo de gerenciar impressões faz com que as pessoas tentem influenciar a imagem que os outros formam delas, assumindo papéis e posturas que vão gerar os resultados esperados. É um jogo de influências que gasta muito da nossa energia psíquica.
Realmente, ninguém quer se sentir incompetente, inadequada ou intrusiva no trabalho. Por isso, muitas vezes as pessoas tentam dar conta de tudo sozinhas, nunca questionam e fazem malabarismos para omitir seus erros. Mas o que normalmente as lideranças não percebem é que, quando alguém se cala, quem mais perde é o próprio time.
Em uma pesquisa da Dra. Amy Edmondson, professora na Harvard Business School e pesquisadora que cunhou o termo da Segurança Psicológica, ela comparou o número de erros médicos em diferentes hospitais para avaliar se os hospitais que tinham as melhores equipes eram os que menos acumulavam erros. Com os resultados, ela identificou que as melhores equipes cometiam mais erros do que as equipes menos fortes.
Essa conclusão pode soar estranha, mas o que a Dra. Amy comprovou ao final do estudo foi que as pessoas das melhores equipes tinham mais segurança de falar abertamente sobre seus erros e por isso registravam e compartilhavam com o grupo com mais frequência. Não é que os outros times não errassem, eles simplesmente não tinham espaço seguro para compartilhar sobre seus erros e aprender com eles.
É estrutural, não individual
Muitas vezes, as organizações colocam a dificuldade de se expressar ou de se arriscar na conta dos indivíduos, cobrando deles uma postura mais autônoma ou proativa. Mas a verdade é que a estrutura em que estamos inseridas afeta diretamente nossa segurança em tomar riscos. Por isso, a forma como você interage no grupo dos seus melhores amigos normalmente é bem diferente da forma como você interage com a sua equipe de trabalho ou no grupo do condomínio.
Quando falamos de estruturas, é importante lembrar que vivemos em uma cultura patriarcal. É uma estrutura que valoriza a hierarquia e a ideia de que existe uma verdade universal, um único jeito certo de fazer as coisas. Além disso, ela é focada em dominar e padronizar o que é estranho à norma pré-estabelecida. Por que será que soa tão familiar?
As organizações absorveram essa estrutura e abusaram das ferramentas que avaliam, esticam, ajustam e remodelam pessoas em suas caixinhas de potenciais promessas e fracassos. E assim, tiram a autonomia dos trabalhadores de usar seus talentos e singularidades e embaçam sua visão sobre si mesmos.
Vi esses dias uma frase de Dominic Barter que diz: “Quando não decidimos conscientemente sobre as estruturas que vamos criar nas nossas comunidades e relações, herdamos mesmo que inconscientemente o sistema vigente que tanto queremos mudar – violento, patriarcal, linear, e separatista.”
É preciso intenção para substituirmos as estruturas que já modelam há tempos nossa forma de nos relacionar por outras que trazem mais vida e saúde para os nossos sistemas. No livro Reinventando as Organizações, Frederic Laloux fala sobre a necessidade de sairmos do paradigma do medo para ocuparmos o paradigma da confiança. É nesse estágio de evolução, que ele chama de Teal, que abandonamos nossa necessidade de controlar pessoas e eventos e passamos a permitir que o inesperado aconteça.
Mas como fazer isso, na prática?
5 dicas para romper com a cultura do medo nas organizações
Na prática, desenvolver a segurança psicológica de um time é sobre criar as estruturas necessárias para que adultos aprendam a ter conversas abertas, sinceras e corajosas. Parece tão simples e tão desafiador ao mesmo tempo, porque estamos falando de vulnerabilidade.
Essa é uma habilidade que costumamos perder quando estamos o tempo todo gerenciando impressões, mas com as estruturas adequadas podemos aos poucos ir abrindo espaço para ela.
1. Considere as lideranças como parte dos times
Elas não devem estar acima, e sim dentro dos grupos. A liderança precisa mostrar que é uma pessoa que também erra, que também sente medo, que também precisa de ajuda. É importante conversar de igual parapra igual com seus liderados e permitir que todos tenham tanto espaço para falar quanto ela mesma.
2. Distribua o tempo de fala e mostre que a voz de todos é importante
Durante as reuniões, é importante garantir que todos serão ouvidos. Para ganhar esse ritmo, o time pode começar definindo alguns minutos de fala por pessoa durante as discussões. Em momentos estratégicos, é importante que a liderança não chegue com respostas prontas e abra espaço para que as pessoas compartilhem suas ideias e visões sobre os desafios. Isso amplia a diversidade de perspectivas e o potencial de inovação do grupo.
3. Crie momentos para praticar a sensibilidade social
Os times de alta performance, segundo o projeto Aristóteles do Google, são aqueles em que as pessoas possuem elevada sensibilidade social. Essa capacidade de perceber as pessoas, seus sentimentos e necessidades pode ser desenvolvida com alguns rituais, como: iniciar as reuniões perguntando como as pessoas estão chegando, ter um momento para compartilhar percepções e aprendizados após experiências intensas, ter momentos para falar sobre desafios a nível pessoal e profissional.
4. Utilize perguntas para modular a segurança no grupo
As perguntas abrem espaço para a curiosidade, a imaginação e ainda incentivam a fala. Uma boa prática, por exemplo, é sempre iniciar uma rodada de dúvidas antes da rodada de opiniões durante a apresentação de uma nova ideia ou projeto. Isso faz com que as pessoas se abram mais para a proposta do outro, antes de trazer suas discordâncias para a mesa. As perguntas também dão permissão para que as pessoas expressem suas ideias, o que torna o ambiente mais convidativo para quem têm um perfil mais introspectivo.
5. Abra espaço para que as pessoas falem sobre assuntos desconfortáveis
Ouvimos tanto a frase “não me traga problemas, me traga soluções”, que fomos deixando de falar sobre o que nos incomoda no trabalho. Para driblar isso, uma dica é inserir na reunião semanal de equipe a prática de processar as tensões do grupo juntos. Ou seja, as pessoas podem compartilhar algo que não está fluindo como elas gostariam e já trazer um pedido de ajuda para o time. Isso ajuda o grupo a criar um apoio mútuo, além de se acostumar a conversar abertamente sobre os problemas que enfrentam, sem ter que dar conta de tudo sozinhos.
A experiência que temos no trabalho se dá principalmente pela experiência que vivenciamos com as pessoas com quem mais interagimos. São nos times que nos conectamos ou nos isolamos, que colaboramos ou competimos. E, dependendo da estrutura e das dinâmicas de poder que o time pratica, ele pode amplificar a potência do grupo ou simplesmente adormecê-la.
E você, qual caminho escolhe: o controle ou a coragem?
Fontes:
A Organização Sem Medo – Amy Edmondson (2020).
Reinventando as Organizações – Frederic Laloux (2017)
O gerenciamento de impressões como meio de influência social nas organizações: uma perspectiva dramatúrgica – Mendonça, José Ricardo Costa de. 2004.
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